São Paulo - A inteligência policial falhou, tanto nos ataques de 2006, em São Paulo, quanto na mais recente onda de violência no Rio. A opinião é do pesquisador em Segurança Pública Guaracy Mingardi, que tem a autoridade de antigo coordenador de inteligência do Ministério Público de São Paulo naquele maio em que a facção criminosa paulista, o PCC, fez mais de 30 mortos entre policiais e um número até hoje incerti de vítimas civis - ao menos 500, de acordo com pesquisa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
A falha, de acordo com Mingardi, consiste em não ter antecipado a movimentação de criminosos, tanto no episódio paulista quanto no acontecido no Estado vizinho. "Se houvesse uma análise criminal plena, haveria informação sobre o risco e pessoal precavido, não precisaria ter cancelado férias e folgas dos policiais", diz.
Outra evidência da dificuldade em antecipar os passos dos criminosos, de acordo com o pesquisador, foi a ausência de um planejamento que permitisse surpreendê-los em fuga na direção do Complexo do Alemão, vizinho à Vila Cruzeiro, vista por milhões de pessoas ao vivo. "Um ponto positivo foi que agiram certo em não recuar, ir para cima dos bandidos e não deixar barato. Mas faltou melhor planejamento na ação para cercar os bandidos", disse.
Policial do Bope em ação contra bandidos no Rio. Foto: AFP
O diretor do instituto Sou da Paz, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público que trabalha pela prevenção da violência, Denis Mizne, afirma que as cenas da ocupação da Vila Cruzeiro mostram uma recaída da polícia no modelo de enfrentamento episódico, em oposição à política de ocupação permanente nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).
"É uma combinação da política de sempre, de ir atrás de onde há um carro queimando, com a estratégia de ocupação permanente dos territórios vista nas UPPs", afirmou Mizne. Os dois especialistas lamentam o sofrimento da população civil, usada como escudo pelos criminosos.
Líderes presos
Os últimos episódios de violência no Rio e na região metropolitana da cidade tiveram início no dia 21, perto das 12h, quando seis homens armados com cinco fuzis e uma granada fecharam a Linha Vermelha no sentido Centro, próximo à favela de Vigário Geral.
Dois veículos foram assaltados e queimados, após a saída dos ocupantes. Em seguida, em diversos pontos da capital fluminense, veículos foram incendiados. O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, atribuiu as ações criminosas a uma reação contra a política de ocupação de territórios do tráfico, por meio das UPPs e a transferências de bandidos para presídios federais em outros estados.
No caso de São Paulo, também houve como pano de fundo a situação de líderes do crime organizado internados no sistema prisional. "Quando os criminosos estão satisfeitos eles não precisam fazer isso. Se há confronto é porque têm algum descontentamento, queremmostrar força e barganhar", diz Mizne.
Uma complexidade singular no caso do Rio é a presença de três grandes facções criminosas, em oposição a São Paulo, que tem apenas uma. "Aqui há um grupo só,o PCC. No Rio o crime é mais bem armado e mais violento, mas o crime em São Paulo é mais organizado por ter uma liderança só", diz Mingardi.
Desde o início dos ataques, pelo menos 36 pessoas morreram no Rio de Janeiro.
Violência
Os ataques tiveram início na tarde de domingo, dia 21, quando seis homens armados com fuzis abordaram três veículos por volta das 13h na Linha Vermelha, na altura da rodovia Washington Luis. Eles assaltaram os donos dos veículos e incendiaram dois destes carros, abandonando o terceiro. Enquanto fugia, o grupo atacou um carro oficial do Comando da Aeronáutica (Comaer) que andava em velocidade reduzida devido a uma pane mecânica. A quadrilha chegou a arremessar uma granada contra o utilitário Doblò. O ocupante do veículo, o sargento da Aeronáutica Renato Fernandes da Silva, conseguiu escapar ileso. A partir de então, os ataques se multiplicaram.
Na segunda-feira, cartas divulgadas pela imprensa levantaram a hipótese de que o ataque teria sido orquestrado por líderes de facções criminosas que estão no presídio federal de Catanduvas, no Paraná. O governo do Rio afirmou que há informações dos serviços de inteligência que levam a crer no plano de ataque, mas que não há nada confirmado. Na terça, a polícia anunciou que todo o efetivo foi colocado nas ruas para combater os ataques e foi pedido o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para fiscalizar as estradas. Foram registrados 12 presos, três detidos e três mortos.
Na quarta-feira, com o policiamento reforçado e as operações nas favelas, 15 pessoas morreram em confronto com os agentes de segurança, 31 foram presas e dois policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) se feriram, no dia mais violento até então. Entre as vítimas dos confrontos, está uma adolescente de 14 anos, que morreu após ser baleada nas costas. Além disso, 15 carros, duas vans, sete ônibus e um caminhão foram queimados no Estado.
Ainda na quarta-feira, o governo do Estado transferiu oito presidiários do Complexo Penitenciário de Gericinó, na zona oeste do Rio, para o Presídio Federal de Catanduvas, no Paraná. Eles são acusados de liderar a onda de ataques. Outra medida para tentar conter a violência foi anunciada pelo Ministério da Defesa: o Rio terá o apoio logístico da Marinha para reforçar as ações de combate aos criminosos. Até quarta-feira, 23 pessoas foram mortas, 159 foram presas ou detidas e 37 veículos foram incendiados no Estado
Na quinta-feira, a polícia confirmou que nove pessoas morreram em confronto na favela de Jacaré, zona norte do Rio. Durante o dia, 200 policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) entraram na vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, na maior operação desde o começo dos atentados. Os agentes contaram com o apoio de blindados fornecidos pela Marinha. Quinze pessoas foram presas ao longo do dia e 35 veículos, incendiados.
Durante a noite, 13 presidiários que estavam na Penitenciária de Segurança Máxima de Catanduvas, no Paraná, foram transferidos para o Presídio Federal de Porto Velho, em Rondônia. Entre eles, Marcinho VP e Elias Maluco, considerados, pelo setor de inteligência da Secretaria Estadual de Segurança, diretamente ligados aos atos de violência ocorridos nos últimos dias. Também à noite, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, assinou autorização para que 800 homens do Exército sejam enviados para garantir a proteção das áreas ocupadas pelas polícias. Além disso, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, anunciou que a Polícia Federal vai se integrar às operações.
Na sexta-feira, a força-tarefa que combate a onda de ataques ganhou o reforço de 1,1 mil homens da Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército e da Polícia Federal, que auxiliaram no confronto com traficantes no Complexo do Alemão e na vila Cruzeiro. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, a polícia permanecerá nas favelas por tempo indeterminado. A troca de tiros entre policias e bandidos no Complexo do Alemão matou o traficante Thiago Ferreira Farias, conhecido como Thiaguinho G3. Uma mulher de 61 anos foi atingida pelo tiroteio na favela e resgatada por um carro blindado da polícia. Foram registrados quatro mortos e dois feridos ao longo do dia. Um fotógrafo da agência Reuters foi baleado no ombro e hospitalizado.
Na parte da noite, o Departamento de Segurança Nacional (Depen) confirmou a transferência de 10 apenados do Rio de Janeiro para o presídio federal de Catanduvas (PR). Também à noite, a Justiça decretou a prisão de três advogados do traficante Marcinho VP e a Polícia Civil anunciou a prisão de sua mulher por lavagem de dinheiro.
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